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Educação por um triz!

Publicado em 2 de março de 2023

Um olhar sobre a redução de procura por cursos das Engenharias, Agronomia e Geociências e a evasão no Brasil

O problema não é de hoje. Cada vez menos estudantes procuram por cursos das áreas das Engenharias, Agronomia e Geociências. A questão é mundial, mas bem grave aqui no Brasil. Buscando entender o que levou a essa situação, bem como vislumbrar o que aguarda o futuro das profissões, ouvimos um especialista da área de educação e professores e reitor de universidades públicas e privada de três estados – PR, SC e MG. 

A conclusão é que o cenário é crítico e o Brasil contará ano a ano com menos profissionais. O risco? Um leve crescimento econômico já acarretará em falta de engenheiros, agrônomos e geocientistas e trará consigo um efeito cascata em dificuldades para o desenvolvimento e a inovação. De maneira geral, a situação atinge cursos diversos das áreas tecnológicas com menor ou maior intensidade. 

Buscamos fontes em diversos estados, mas divulgamos aqui os que nos deram retorno: Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná. Vale lembrar que todas as Instituições de Ensino consultadas estão desenvolvendo ações buscando reverter a situação (mais informações no site da revista). Um exemplo vem das universidades públicas que oferecem assistência estudantil buscando fornecimento de bolsas, promoção da permanência dos estudantes nos cursos e, consequentemente, sua formatura. “Estes programas ocorrem em consonância com as políticas de ação afirmativa (cotas sociais, por exemplo) voltadas para estudantes que fizeram toda sua escolaridade em escolas públicas. Oferecer oportunidades a estes estudantes é muito importante em um país com enormes desigualdades sociais como é o caso do Brasil”, diz o reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Engenheiro Mecânico, Valder Steffen Junior.

DIGULGAÇÃO UP

O contexto

Segundo o documento “O mercado de trabalho e a formação dos engenheiros no Brasil”, de autoria do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socio-econômicos (Dieese), o Brasil conta com 4.799 cursos de engenharia e mil Instituições de Ensino no Brasil. Entre 2015 e 2017, os concluintes dos cursos de engenharia somaram 325 mil pessoas. Destes, 146 mil efetuaram seus registros profissionais no Sistema Confea/Creas. 

“O Brasil tradicionalmente tem poucos engenheiros. O país é um dos que mais tem advogados em relação a engenheiros no mundo (são países chamados burocráticos, para diferenciar dos que possuem mais engenheiros que advogados, chamados empreendedores). Ou seja, as empresas gastam mais dinheiro se defendendo dos tributos e processos do que em inovação”, constata o Engenheiro Eletricista, Roberto Lobo, presidente do Instituto Lobo de Pesquisa e Gestão Educacional e professor Sênior do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Lobo também é membro da ABC.

Estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) demonstrou a relação do PIB Industrial com a demanda por engenheiros. “Para cada milhão de dólares investidos há necessidade de mais um engenheiro no mercado”, explica o professor Lobo, que é um entusiasta do tema e estuda o ensino de engenharia no Brasil há anos.

“Essa é uma questão mundial, mas agravada no Brasil pelo decréscimo da atividade industrial e pelas dificuldades da economia. As universidades têm sido muito impactadas pela redução de procura nos cursos de engenharia. E é um cenário que tem se agravado ao longo dos últimos anos. A remuneração não é atrativa e muitas ofertas de emprego não oferecem realização profissional. Com a redução da demanda muitos alunos não se sentem motivados para uma carreira na área”, reforça o Engenheiro Mecânico Alvaro Toubes Prata, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele também é diretor da ABC.

Um exemplo prático dessa situação pode ser sentido no lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007. “Havia uma expectativa de crescimento e logo surgiram muitos novos cursos e vagas nas áreas tecnológicas. Como a expectativa não se cumpriu, houve um boom no número de ingressantes e oferta de vagas nos cursos de engenharia”, lembra Roberto Lobo. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), do Ministério da Educação, também contribuiu, já que priorizava as áreas tecnológicas e era atrativo para os estudantes.

O reitor da UFU, Engenheiro Mecânico, Valder Steffen Junior, destaca que “em 2019, a Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, do Ministério da Educação, registrou no Parecer CNE/CES Nº 1/2019, que a recessão econômica do país foi fator determinante para a queda no número de ingressantes nos cursos de Engenharia a partir de 2014 e, também, para a evasão.” Segundo ele, existem outras razões como a baixa atratividade das carreiras e os baixos salários.

Outro fator é a já conhecida baixa qualidade no ensino da educação básica. “Seria importante a educação digital (computação, programação, robótica) no currículo tanto do ensino fundamental como no ensino médio, como elemento de fundamental importância para estimular os estudantes a procurarem cursos da área tecnológica”, cita Steffen Junior.

O diretor do Centro Tecnológico da UFSC, Matemático e mestre em Engenharia Elétrica, Edson Roberto De Pieri, cita mais uma questão que impacta a área das tecnologias que é o fato dos alunos se formarem e saírem do Brasil. “Toda semana temos colação de grau e não raro o aluno participa de outro país, ou seja, foi investido recurso na formação deste estudante, mas o conhecimento não permanece no Brasil”, observa. Ele também é membro da ABC.

“Essa questão da baixa procura depende de diversos fatores. Um deles é a economia e baixa oferta de empregos que vemos nos últimos anos. E isso pode mudar de forma rápida se a economia voltar a crescer. Outra questão é o aumento da oferta de cursos das áreas das Engenharias, Agronomia e Geociências no sistema privado de ensino e também na modalidade a distância”, avalia o reitor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e conselheiro do Crea-PR, Engenheiro Civil Leandro Vanalli.

Realidade nas Universidades

Universidade Federal de Santa Catarina 

As universidades têm sido impactadas pela redução na procura pelos cursos de engenharia. Há bons cursos de engenharia no país que abrigam infraestruturas bem montadas e corpos docentes muito qualificados. Em muitos desses cursos os alunos atuam nos laboratórios e em atividades de extensão e se envolvem em projetos desenvolvidos pelos docentes. Muitos dos estudantes possuem bolsas de iniciação científica. Os bons cursos de graduação muitas vezes estão associados a excelência de pós-graduação e a baixa procura por cursos de graduação também tem um forte impacto na procura por mestrado e doutorado. Os estudantes de pós-graduação têm um importante papel nas atividades de pesquisa que é muito prejudicada pela ausência dos alunos. As universidades têm procurado reduzir as evasões por meio de uma assistência maior aos alunos que envolve inclusive atividades de mentoria. Em relação à menor procura pelos cursos cabe às universidades uma maior promoção e divulgação dos cursos.

Dados

A UFSC tem uma grande tradição em engenharia e oferece excelentes cursos tanto de graduação como pós-graduação em seus cinco campi. Ao todo são ofertadas 24 modalidades de cursos de graduação em engenharia e sete desses cursos não preencheram as vagas oferecidas no último concurso vestibular.

Os cursos de engenharia tinham, em média, 10 candidatos por vaga e hoje a média é de 5 candidatos por vaga. Temos cursos com mais vagas do que candidatos neste período pós-pandemia.

Informações do Engenheiro Mecânico Alvaro Toubes Prata, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e diretor do Centro Tecnológico da UFSC, Matemático e com mestrado em Engenharia Elétrica, Edson Roberto De Pieri.

Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

Na UFU, de modo geral, constata-se que esta redução da procura de vagas nas áreas mencionadas se verifica ao observar os quantitativos de matrículas de ingressantes que não preenchem todas as vagas nos processos seletivos regulares. Porém, com chamadas sucessivas de classificados nos processos seletivos, bem como o lançamento de edital especial para preenchimento de vagas ociosas, além de editais para ingressos por transferência facultativa e portadores de diploma, a UFU vem atuando fortemente no sentido de buscar o preenchimento das vagas em todos os nossos 97 cursos de graduação na modalidade presencial.

Indubitavelmente, a partir de 2020, a pandemia agravou um cenário que já era crítico. Por razões de ordem socioeconômicas, estudantes tiveram que começar a trabalhar para ajudar o núcleo familiar, prorrogando ou, até mesmo, renunciando ao ingresso no ensino superior. Ou seja, a perda de ganho das famílias tem dificultado tanto o ingresso como a permanência dos estudantes na universidade.

Informações do reitor da Universidade Federal de Uberlândia e também membro da ABC, Engenheiro Mecânico, Valder Steffen Junior.

Divulgação UP

Universidade Positivo, Curitiba, Paraná

Desde 2016, as áreas de engenharia,  produção e construção vem tendo uma redução significativa de ingressantes e matriculados em todo o Brasil. Essa redução começou a ser observada também nos concluintes a partir de 2019.

O Paraná apresenta uma recuperação muito significativa do número de ingressantes no ano de 2021, quando ingressaram nos cursos da área de engenharia, produção e construção mais de 27 mil novos alunos (a maior entrada da série histórica iniciada em 2010). Essa recuperação ainda não foi sentida no número de matrículas, que está em queda desde 2019, nem de concluintes.

Uma questão importante para ser observada é o avanço no Ensino a Distância (EaD) nessa área. Quando observamos apenas o Paraná, o EaD já conta com 269 cursos e mais de 14 mil ingressantes em 2021 (52,6% dos ingressantes). Portanto, a maioria dos calouros de engenharia, produção e construção já é de alunos a distância.

A UP implantou o currículo com foco em competências em 2019. Apesar de termos quatro anos de implantação, foram um ano no ensino presencial, dois anos de remoto durante a pandemia e retornamos em 2022 ao presencial com todos os impactos causados pela pandemia. Portanto, não conseguimos fazer uma análise precisa sobre o impacto da nova matriz tanto na captação quanto na evasão, por esses fatores terem sido muito afetados pelo contexto global. 

Uma conclusão é que a formação por competências busca atender à demanda da sociedade por engenheiros mais adequados às suas demandas, entretanto, o aumento do número de ingressantes e concluintes depende de outros fatores.

Relatos do reitor da Universidade Positivo, Roberto Di Benedetto, doutor em Sociologia, em conjunto com a Engenheira Civil e doutora em Engenharia de Estruturas, Patrícia Maggi (Reitoria – Departamento Acadêmico).

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4 comentários em “Educação por um triz!

  1. Lucas Freitas Berti - UTFPR DAMEC disse:

    Concordo com o professor Prata, “E é um cenário que tem se agravado ao longo dos últimos anos. A remuneração não é atrativa e muitas ofertas de emprego não oferecem realização profissional. Com a redução da demanda muitos alunos não se sentem motivados para uma carreira na área”.
    O CREA-PR, fez entrevista com universidades federais de fora do estado do Paraná, e não verifiquei a presença de uma universidade federal Paranaense. O grande problema para os engenheiros é o tal do “assistente técnico”, do “analista técnico”, do “MEI”, entre outras denominações de funções para não chamar de “engenheiro”, que são todos engenheiros e estão trabalhando com um salário abaixo do piso da engenharia.

    Portanto, seria muito interessante o CREA-PR fazer o que é de dever: Fiscalizar as atividade dos engenheiros que estão trabalhando por R$ 3.500. Qual benefício um engenheiro estudar cinco ano, para ganhar o que outra profissão que não requer o mesmo nível de dedicação. Querem engenheiro, então que se pague o salário de engenheiro:

    Conforme a Lei 4.950-A/66 o valor do SMP (Salário Mínimo Profissional) dos engenheiros a partir de 01/01/2022 passa a ser de R$ 10.908,00 para 8 horas diárias, e R$ 7.272,00 para 6 horas diárias.

    1. Crea-PR disse:

      Oi Lucas, tudo bem?

      Nós fizemos recentemente matérias focadas 100% nas nossas Universidades Federais aqui no Estado. Para esta matéria diversificamos um pouco mais nossas fontes para mostrar que é um problema não só no Paraná, mas no Brasil.

      Sobre o SMP, entendemos sua indignação e estamos constantemente lutando para tentar mudar isso, mas, infelizmente, é algo muito difícil. Para esclarecer a atuação do Crea-PR em relação ao Salário Mínimo Profissional (SMP) é preciso dividir o assunto em dois campos distintos:

      1 – REGIME CELETISTA
      Todos os empregados que são regidos pelo regime celetistas que desempenham funções técnicas possuem direito legal de receber, no inicio de seu contrato de trabalho, o Salário Mínimo Profissional definido pela Lei 4.950-A/1966. O Supremo Tribunal Federal fixou este valor em R$ 7.272,00 para 6 horas de trabalho diário e R$ 10.302,00 para 8 horas de trabalho diário. O Crea fiscaliza e autua as empresas que não pagam salário mínimo profissional quando contratam profissionais pelo regime celetista para cargos técnicos. Somente em 2021, realizamos 4682 verificações, gerando 16 autuações.
      Mas é preciso destacar que depois do ingresso em uma carreira profissional este salário é corrigido pelos acordos coletivos ou convenções coletivas de trabalho. Desta forma, é possível que depois de alguns anos na carreira profissional o salário do profissional fique abaixo de 8,5 salários mínimos, e isto não é ilegal. Isto acontecerá caso os índices de correção fixados em acordos ou convenções coletivas sejam inferiores ao índice de correção do salário mínimo nacional. Visando corrigir este problema, O Crea-PR já encaminhou uma proposta de alteração da Lei 4.950-A/1966 visando manter o poder de compra do Salário Mínimo Profissional.

      2 – REGIME ESTATUTÁRIO
      Todos os empregados/servidores que são regidos pelo regime estatutários não possuem direito legal de receber o Salário Mínimo Profissional definido pela Lei 4.950-A/1966. Isto porque, conforme já reconhecido pelo Senado federal na Resolução 12/1971, apenas o chefe do executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos) é que podem definir o salário dos servidores públicos. Nos casos em que o Crea verifica que servidores estatutários recebem abaixo do piso profissional, não é possível autuar o órgão publico, porém, o Crea envia oficio ao chefe do executivo envolvido, solicitando que o profissional seja valorizado e que o órgão publico pague a ele o equivalente ao piso. Outra ação realizada pelo Crea-PR para defender e valorizar os servidores estatutários dentro do que é possível na lei do país é por meio da Agenda Parlamentar do Conselho que promove diversas ações e movimentações junto ao poder executivo e legislativo, visando a aprovação de Leis nos Municípios que fixem remunerações justas aos profissionais dos quadros públicos. Para o regime estatutário, infelizmente, devido as leis do país, nossas ações se concentram nas detalhadas acima.

      Lucas, esse é um resumo sobre a nossa atuação com relação ao SMP. No caso dos celetistas, para aumentarmos a capilaridade de fiscalizações com relação ao salário é preciso que todo o profissional que se deparar com situações como essa denuncie por meio de registro em nosso site.http://www.crea-pr.org.br

  2. Douglas Roberto Jakubiak disse:

    O Supremo Tribunal Federal fixou este valor em R$ 7.272,00 para 6 horas de trabalho diário e R$ 10.302,00 para 8 horas de trabalho diário.
    Isto não adianta nada, pois as empresas contratam formados em Engenharia, para trabalhos de Engenharia, como analistas pagando um pouca mais que o salário mínimo nacional R$ 1.302,00. Isto é totalmente desmotivante para quem está cursando Engenharia ou pretende cursar Engenharia.

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