Rio Grande do Sul: lições aprendidas
Considerada a maior catástrofe climática do país, enchente que devastou o Estado traz aprendizados e evidencia importância das áreas tecnológicas
O dia 29 de abril de 2024 não sairá da memória tão cedo. Foi neste dia que foi dado o primeiro alerta vermelho para volume elevado de chuva no Rio Grande do Sul. Porém, apesar do alerta, não se tinha a dimensão do que iria acontecer nos dias seguintes e a situação só se agravou. Em 1º de maio já foi decretada calamidade pública e a chuva seguiu até o dia 14 daquele mês.
Agora, passados alguns meses, a situação está melhor, mas ainda há muito para ser feito, principalmente em relação à reconstrução de cidades devastadas por inteiro, recolhimento de resíduos e obras em rodovias e no aeroporto para restabelecer a logística.
“Já sabemos que tragédias como a do RS passarão a ser cada vez mais frequentes e todas as cidades brasileiras e do mundo precisam estar atentas e preparadas para enfrentar condições climáticas adversas. Neste sentido, o Crea-PR busca ser uma liderança na promoção da sustentabilidade, fortalecendo suas iniciativas e ampliando suas ações de conscientização, fiscalização e incentivo à adoção de práticas sustentáveis em todos os setores das Engenharias, Agronomia e Geociências”, afirma o presidente do Crea-PR, engenheiro agrônomo Clodomir Ascari.
O Paraná mobilizou esforços e enviou profissionais das Engenharias, Agronomia e Geociências como voluntários ao RS (veja na sequência). Além de prestar apoio técnico, o conhecimento adquirido será utilizado para formar um comitê e preparar um plano em caso de desastre ambiental no estado. “Fomos para contribuir, mas também para aprender”, conta Ascari. Afinal, a tragédia no RS mostrou que, de maneira geral, as cidades brasileiras não estão preparadas para desastres.
Laboratório
A presidente do Crea-RS, engenheira ambiental Nanci Walter, avalia que o que aconteceu no Rio Grande do Sul foi um evento inédito no mundo. “Essa catástrofe transformou o RS e suas ações de reconstrução em um grande laboratório em muitas áreas, incluindo as Engenharias, Agronomia e Geociências”.
Um exemplo disso, cita, é a recuperação da pista do Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, administrado pela Fraport Brasil, subsidiária da empresa alemã. Foram 75% de pista danificada e que está sendo reconstruída contando, inclusive, com uma usina de asfalto dentro do aeródromo para atender a demanda. A pista e outros espaços do aeroporto ficaram submersos por 23 dias. É um grande esforço de engenharia para reabrir o terminal que é parte importante da logística do Estado. “Eu ouvi de colegas engenheiros que está obra irá definir novos parâmetros para técnicas de recuperação e reconstrução de aeroportos. Então, estamos com especialistas do mundo todo acompanhando o que acontece aqui”, informa a presidente do Crea gaúcho. Até final de agosto as obras seguiam o cronograma com previsão de retomada de voos domésticos dia 21 de outubro e voos internacionais dia 16 de dezembro.
A presidente destaca que este é um momento essencial para mostrar o protagonismo do conhecimento técnico dos profissionais das áreas tecnológicas. “Nós, enquanto Conselho que congrega estes profissionais, devemos usar esta oportunidade, sem ser oportunistas, para mostrar o papel fundamental dos Engenheiros, Agrônomos e Geocientistas em prevenir e também atuar após eventos extremos como o que atingiu nosso estado”, afirma.
Ela também ressalta que acredita que os profissionais devem ter mais orgulho de suas formações. “É mais comum vermos advogados e médicos falando orgulhosos de suas áreas e menos comum ver isso com os profissionais das áreas tecnológicas. Um evento extremo revela que o protagonismo é, também, dos nossos profissionais na linha de frente, assim como das demais formações”, considera Nanci.
Surpresa, mas nem tanto
A enchente chegou e não deu trégua por muitos dias. Deixou um rastro de destruição que, inclusive, mudou a hidrologia do RS. Cidades inteiras serão reconstruídas em novos lugares porque foram devastadas.
Mas uma enchente vinha sendo anunciada há alguns anos. O Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), órgão de excelência da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) trabalha com foco no comportamento de bacias hidrográficas e águas nas cidades.
“É motivo de orgulho não só para nós, gaúchos, mas para todos os brasileiros o papel do IPH, mas a ação deve ser coordenada. Precisa juntar conhecimento, estudos, planejamentos e investimentos. De qualquer forma, tem sido incrível ver a resiliência e força com que todo o povo gaúcho busca a reconstrução”, conta.
Ela destaca, por exemplo, a decisão de manter a 47ª edição da Expointer – maior feira agropecuária da América Latina – e que foi realizada em Esteio (RS), de 24 de agosto a 1 de setembro. “É um exemplo de como estamos lutando para voltar à normalidade. Sempre em um paradoxo entre a consternação pelas vidas perdidas e a urgência em seguir e reconstruir”.
O papel das áreas tecnológicas
Na edição 108 da Revista Crea-PR, uma matéria trouxe o “Papel das engenharias nos desastres naturais” e, em resumo, a estratégia mostrada pelos entrevistados é de se criar uma cultura de investimento em projeto e planejamento. É necessário monitoramento, mapeamento de potenciais riscos e estudos técnicos, sem esquecer do envolvimento da população com conscientização e treinamento. O caminho também passa por uma gestão correta da ocupação urbana, elaboração de Planos Diretores que são efetivamente cumpridos, são fatores que podem minimizar as perdas em desastres. E, em todos estes processos e passos, a Engenharia, a Agronomia e as Geociências estão envolvidas.
Comitê Científico
A presidente do Crea-RS, destaca a importância de o governo estadual ter criado o Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática do Plano Rio Grande. “É o tipo de ação que, infelizmente, deveria ter acontecido antes, para ajudar a prevenir e minimizar o desastre, mas reúne grandes nomes e será fundamental na reconstrução”, aponta.
Previsto no Decreto 57.647, de 3 de junho, o Comitê Científico integra a estrutura de governança do Plano Rio Grande, com foco no engajamento da academia para o desenvolvimento de projetos de reconstrução e transformação do Estado.
Conforme divulgado na página oficial do Governo do RS, o comitê tratará de diversos temas, desde sistemas de proteção de cidades até estudos voltados para a ativação econômica e questões de saúde pública. Também serão abordados tópicos como desassoreamento de rios e córregos, mapeamento topográfico, sistemas de alertas mais avançados e cultura de prevenção.
A contribuição do Paraná
Voluntários foram a Canoas para realizar vistorias técnicas em escolas e Unidades Básicas de Saúde
Em julho, um grupo de voluntários do Crea-PR foi ao Rio Grande do Sul para ajudar na reconstrução. “Nossa matéria-prima é intelectual, são nossos laudos. Aguardávamos o momento adequado para poder contribuir com a reconstrução do nosso estado irmão. E esse momento chegou!”, declarou o presidente do Crea-PR, engenheiro agrônomo Clodomir Ascari, quando o grupo seguiu para o RS.
A ação humanitária se deu em Canoas, cidade da Grande Porto Alegre, que foi bastante atingida pela enchente e contou com inspeções e elaboração de laudos técnicos. No total, 40 escolas e 11 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) foram vistoriadas, com 97 laudos e 77 ARTs Humanitárias emitidas.
Os laudos incluíram detalhes minuciosos sobre as condições das instalações e levantamento de danos estruturais. “Quero ressaltar a qualidade técnica dos laudos que foram fundamentais para agilizar o processo de retomada das atividades de instalações tão importantes para a população como as UBSs e as escolas”, avalia a presidente do Crea-RS.
Hoje, todas as 2.338 escolas afetadas no estado estão em atividade, atendendo a uma população de 741.831 estudantes.
Os bastidores
A preparação e os cuidados para envio dos profissionais do Paraná
A ida dos profissionais do Paraná foi possível graças ao Reconstruir-RS, programa criado pelo Crea-RS que reuniu mais de 2,5 mil profissionais interessados de todo o Brasil.
No Paraná, profissionais se inscreveram também. “A ideia inicial é que tudo seria feito dentro de um prazo que imaginamos, mas logo veio a notícia de que havia uma necessidade muito urgente. Com isso, antecipamos a ida dos voluntários”, explica a assessora da Chefia de Gabinete do Crea-PR, engenheira civil Vivian Curial Baêta de Faria.
No cadastro, para seleção dos voluntários, constavam 180 nomes. “Interessante que durante a triagem verificamos que não eram só profissionais das áreas tecnológicas. Tinham inscritos até de fora do Brasil e de outras formações que se colocaram à disposição”, conta.
Selecionados os nomes, foi realizado o contato com os voluntários para ver quem efetivamente tinha disponibilidade. “Foi uma correria porque tivemos apenas quatro ou cinco dias para organizar e identificar quem iria viajar. Muitos queriam, mas o prazo curto inviabilizou a ida”, compartilha Vivian.
Também foram organizados, com apoio do Crea-RS, os deslocamentos dos voluntários à Curitiba ou direto a Porto Alegre e a hospedagem de todos. “Eu avalio essa ação como uma das coisas mais gratificantes para mim, pessoalmente. Viabilizar a ida dos profissionais e acompanhar o trabalho sempre com relatos impressionantes e emocionantes deles e também de pessoas do RS foi incrível”, conclui.
Confira a delegação paranaense que participou da ação no RS:
Eng. civ. Regina de Toni, eng. mec. Manoel Soares Rosa Junior, eng. civ. Alisson Pessoa Valadares, eng. civ. Cristian Schwarz, eng. civ. Jean Mauricio Sokulski Paes, eng. mec. Pedro Henrique Batista Calegari, eng. eletric. Luiz Fernando Wagner Ribeiro Moraes Gomes, eng. civ. Robson de Moura Militão, eng. eletric. Weslei Camara Barboza, eng. mec. Bruno Felipe Auler, eng. civ. Felipe Pastre Borato e eng. civ. Luiz Carlos Ferreira.
A voz dos voluntários
Grupo teve ação determinante para retomada rápida das escolas e UBSs em Canoas
O assessor de Relações Parlamentares e Empresariais do Crea-PR, engenheiro civil Euclésio Manoel Finatti, acompanhou o grupo de voluntários. “Foi uma experiência de solidariedade, de entender a necessidade de ajuda e de saber que muito mais precisa ser feito. Acredito que foi uma experiência que os participantes jamais vão esquecer. O tamanho do desafio que encontramos e a importância de ajudar com conhecimento técnico”, avalia.
O engenheiro mecânico e de segurança do trabalho Pedro Henrique Batista Calegari, de Jacarezinho, também integrou a equipe de voluntários do Crea-PR. “Estávamos relativamente preparados para o impacto do que iríamos encontrar porque fomos avisados durante um treinamento com o Crea-RS onde vimos imagens e uma série de depoimentos do que iríamos enfrentar, mas ver de perto a situação nos surpreendeu e gerou comoção”, explica.
“Para mim essa experiência profissional foi uma lição de vida. Faz a gente ver o quanto somos abençoados e agraciados em estar seguros e em poder ajudar outras pessoas”, avalia.
Magnitude da destruição
“Ao chegar ao estado, fiquei surpreso com a magnitude da destruição. Mesmo tendo me preparado emocionalmente, o que encontrei era inimaginável. No entanto, a força e resiliência da população gaúcha são incríveis. Todos estavam se ajudando para reconstruir, mostrando que juntos somos mais fortes e que a união realmente faz a força.” Assim o engenheiro civil Jean Mauricio Sokulski Paes, de Imbaú, descreve a experiência de voluntariado.
“Lembro até hoje de um trecho do juramento que fiz na faculdade quando me formei, que dizia: ‘Colocarei todo o meu conhecimento científico a serviço do conforto e desenvolvimento da humanidade’. Até hoje, essa experiência me traz um misto de emoções, principalmente orgulho, por ter participado dessa ação e gratidão ao povo gaúcho”, conclui.
Eng. Mec. Pedro Henrique Batista Calegari, voluntário.
Eng. Civ. Jean Maurício Sokulski Paes, voluntário.
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