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Blockchains: a evolução da rastreabilidade na área mecânica

Publicado em 6 de janeiro de 2025

A rastreabilidade na indústria automobilística é uma ferramenta estratégica que diferencia empresas, garantindo qualidade, segurança e eficiência

Em tradução literal, “blockchains” significa “cadeias de blocos”. Essa tecnologia organiza informações em blocos interligados, criando uma espécie de corrente digital. A grande inovação é que qualquer alteração nesses blocos exige o consenso de toda a rede, garantindo a segurança e a integridade dos dados. Como explica o engenheiro mecânico Josué Victor Besen, coordenador de Planejamento, Programação e Controle da Produção (PPCP), de uma indústria automobilística, essa tecnologia abre um novo horizonte, pois organiza informações em blocos conectados em forma de corrente, que não podem ser alterados ou excluídos sem o consenso da rede.

Famosa por ser a base do Bitcoin, a tecnologia blockchain está se expandindo para diversos setores, e o automobilístico não é exceção. Sua capacidade de criar um registro digital imutável e transparente oferece inúmeras vantagens, especialmente no que diz respeito à rastreabilidade. “As blockchains auxiliam no rastreamento ponta a ponta, facilitando a entrada de dados e assegurando a integridade do processo, já que modificações só ocorrem com validação coletiva”, afirma Besen.

Além de garantir a segurança, a tecnologia blockchain proporciona transparência na gravação de todo o histórico de um item. A criptografia, por sua vez, protege os dados contra fraudes e ataques cibernéticos, tornando a tecnologia ainda mais robusta.

Importância

Para ilustrar a importância da rastreabilidade, Besen propõe um cenário: “imagine um produto com um defeito grave que só é detectado após chegar ao consumidor ou causar um acidente. A reputação da marca está em jogo e a segurança dos usuários está comprometida. Como resolver essa situação rapidamente e garantir que outros produtos não tenham o mesmo problema? A resposta está na rastreabilidade dos componentes”.

Tecnologias e desafios da implementação

“Implementar um sistema de rastreabilidade pode ser desafiador, exigindo investimentos em equipamentos, software e treinamento”, explica Besen. É fundamental que a iniciativa esteja alinhada com a estratégia da empresa. Além disso, a integração de diferentes sistemas e a coordenação entre diversos fornecedores podem ser complexas, especialmente em cadeias de suprimentos longas. Neste caso, com múltiplos fornecedores e estágios, é necessário um alto nível de coordenação exigindo união de esforços ao longo da cadeia para melhores resultados.

A qualidade dos dados é crucial para a tomada de decisões. É preciso garantir que as informações sejam precisas, acessíveis e centralizadas em um único sistema. A legislação, as demandas dos clientes e as estratégias de negócio estão em constante evolução, o que exige, também, flexibilidade do sistema de rastreabilidade.

A implementação envolve também investimentos em equipamentos e sistemas de treinamento. “É um ponto de atenção principalmente quando pensamos em pequenas e médias empresas. Isso ressalta ainda mais a importância de a implementação estar alinhada com o plano estratégico da companhia”, destaca Besen.

Soluções disponíveis no mercado

Existem diversas soluções de rastreabilidade disponíveis no mercado, cada uma com suas particularidades. “Desde os registros em papel, utilizados para pequenas quantidades de dados, até tecnologias mais avançadas como códigos de barras, RFID e GPS, que permitem rastrear produtos em tempo real. Sensores e câmeras também são utilizados para coletar grandes volumes de dados, enquanto sistemas de execução de manufatura (MES) garantem a rastreabilidade interna das fábricas”, explica o engenheiro mecânico.

Em caso de sinistros

A rastreabilidade é ferramenta essencial em investigações de sinistros

“A rastreabilidade de peças é fundamental em casos de sinistros, como acidentes ou falhas em produtos. Ela permite traçar a jornada de cada componente, desde a sua origem até o destino final, identificando o fabricante, o lote de fabricação e verificando se estava em conformidade com as normas de segurança”, explica o engenheiro mecânico, Paulo Cesar Moselli, conselheiro do Crea-PR. 

Segundo ele, que tem doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais, essa informação é crucial para determinar a causa de um problema, seja ele um defeito de fabricação, desgaste natural ou erro de manutenção. Ao identificar a peça defeituosa, é possível realizar testes detalhados e isolar o problema, agilizando a resolução e evitando que outros produtos sejam afetados.

Em casos de recall, a rastreabilidade permite retirar rapidamente as peças defeituosas do mercado, minimizando os riscos para os consumidores. Além disso, ela auxilia as empresas a identificar padrões de falhas e implementar melhorias nos seus processos.

Para as seguradoras, a rastreabilidade é uma aliada na avaliação de sinistros. Ao conhecer o histórico da peça, é possível confirmar a autenticidade e verificar se houve negligência por parte do fabricante ou do usuário. Essa informação é fundamental para determinar o valor do seguro a ser pago.

O conselheiro do Crea-PR conclui que “a rastreabilidade de peças é essencial para assegurar a segurança, qualidade e confiabilidade dos produtos e para permitir uma gestão eficiente de incidentes e sinistros”, afirma.

A implementação é fundamental porque, segundo ele, facilita a investigação de causas, o processo de recall, a responsabilização por falhas e a melhoria contínua dos processos de fabricação e manutenção. Em um contexto de sinistros, a rastreabilidade é uma ferramenta valiosa para proteger tanto os consumidores quanto as empresas, além de contribuir para a mitigação de riscos e a prevenção de falhas futuras.

Rastreabilidade pelo mundo e sistemas disponíveis

Em âmbito internacional, o tema da rastreabilidade tem sido amplamente debatido com o objetivo de atualizar conceitos, princípios e requisitos. O Comitê Codex Alimentarius, um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), no qual o Brasil possui assento e participa ativamente, mantém um grupo dedicado ao assunto, atualmente coordenado pelos Estados Unidos e Reino Unido.

“O documento vigente, datado de 2006, está em constante revisão para acompanhar as evoluções relacionadas à implementação da rastreabilidade tanto pelo setor privado quanto por autoridades governamentais”, conta o chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (SIPOV), da Superintendência Federal de Agricultura no Paraná, Fernando Mendes.

Sistemas de rastreabilidade

A implementação da rastreabilidade enfrenta diversos desafios operacionais, informa Mendes. “São necessários mecanismos eficientes para coleta, processamento, visualização e análise dos dados de rastreabilidade. Além disso, é fundamental padronizar esses dados e garantir a interoperabilidade entre os sistemas utilizados pelos diferentes agentes da cadeia de alimentos, inclusive em âmbito internacional. Grandes redes varejistas e distribuidores de frutas e legumes, em particular, têm exigido a rastreabilidade de seus fornecedores, tornando-a um pré-requisito nas relações comerciais”, salienta.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveu o Sibraar – Sistema Brasileiro de Agrorrastreabilidade, uma plataforma que utiliza a tecnologia blockchain para garantir a rastreabilidade de produtos agroindustriais. O Sibraar oferece ao consumidor informações transparentes e confiáveis sobre a qualidade e a origem dos produtos, desde a propriedade rural até o ponto de venda. Ao escanear o QR Code presente na embalagem, o consumidor acessa um histórico detalhado da produção, incluindo as etapas de processamento e distribuição. As informações são registradas em uma blockchain, garantindo a imutabilidade e a segurança dos dados. O sistema é direcionado à agroindústria e pode ser personalizado para atender às necessidades de diversas culturas agrícolas.

O Sistema CNA, por sua vez, disponibiliza o AgriTrace Vegetal, um programa que possibilita aos produtores realizar a rastreabilidade e a rotulagem de frutas e hortaliças. Desenvolvido pelo Instituto CNA, o AgriTrace Vegetal auxilia os produtores a atenderem às exigências da Instrução Normativa Conjunta ANVISA/SDA-Mapa Nº 02/2018, que estabelece os procedimentos para a rastreabilidade de produtos vegetais frescos destinados à alimentação humana em todo o território nacional. O programa define um procedimento detalhado para a aplicação da rastreabilidade ao longo de toda a cadeia produtiva, com o objetivo de monitorar e controlar os resíduos de defensivos agrícolas.

Como fazer – passo a passo

“Na prática, trata-se de responder às perguntas: Quem produziu? O que foi produzido? Quando foi produzido? Para quem foi vendido? Ou seja, ter conhecimento detalhado sobre a origem, o destino e as operações realizadas em cada etapa da cadeia produtiva”, explica a Engenheira Agrônoma Elisangeles Souza, assessora Técnica do Sistema FAEP e coordenadora Técnica do Comitê Minor Crops Brasil.

Para ela, no caso dos produtores rurais, o uso de um “Caderno de Campo” é essencial para registrar informações sobre a produção, como o preparo do solo (uso de adubos e fertilizantes), o manejo fitossanitário (aplicação de agrotóxicos e produtos biológicos), os tratos culturais (como poda e raleio, no caso de frutas), a colheita e o tratamento pós-colheita.

“Deve-se estabelecer um lote, que consiste em um conjunto de produtos da mesma espécie ou cultivar, produzido pelo mesmo agricultor em um período determinado e sob condições similares. O número do lote permite rastrear todas as operações realizadas naquele produto”, conclui.

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